quarta-feira, 30 de novembro de 2011

Nunes Pereira, um sábio amazonólogo

Conheci Nunes Pereira na Biblioteca Nacional, Rio de Janeiro, lá por 1970. Compulsava eu o "Dicionário do Folclore Brasileiro", do Câmara Cascudo. Vasta cabeleira branca, já na sapiência dos seus oitenta anos, o autor de "Moronguetá - Um Decameron Indígena", percebeu que lia um verbete sobre a Amazônia e não deixou por menos: "Nem sempre o Câmara Cascudo cita que leu isso aí em obras minhas". Sem a vivência e as leituras de hoje, 27 anos depois, nao entendi bem o que queria dizer Nunes Pereira. Hoje sei a distancia que medeia entre os que escrevem por terem visto e vivido, observado e pesquisado e os que fazem somente pesquisa bibliográficas, citando obras alheias. Nunes Pereira, cuja casa na Almirante Alexandrino, frequentei, andou durante mais de 65 anos pela Amazônia. Sua vida foi um eterno escrever artigos, livros, proferir palestras e realizar viagens de estudos pela Amazônia, subindo e descendo rios, os mais distantes.
Funcionário do Ministerio da Agricultura, veterinário por formação, antropólogo e etnologo por vocação, além de literato, Nunes Pereira soube, bem cedo, aliar seu interesse pela pesquisa ao trabalho que realizava pelo interior. Leitor voraz, leu sobre tudo, aprofundou-se na vasta bibliografia sobre a Amazonia. Chegou a formar grande biblioteca, que vendeu, nos anos 70, para o Instituto de Pesquisas da Amazonia (INPA), onde podem ser consultadas.
Não ficou apenas nos temas amazônicos. Estudou os negros de Sao Luis, em "A Casa das Minas", o culto dos Voduns Jeje no Maranhao. Arthur Ramos considerou essa monografia "um conjunto de práticas religiosas e mágicas de um grupo de Negros de Sao Luis onde o estudioso identifica, de logo, a sobrevivência daomeana. Na obra de Nunes Pereira tem-se, porém, o essencial para a constituição de um corpo homogeneo de praticas voduns num ponto do Norte do Brasil".
Josué Montello dedica seu "Os Tambores de São Luís", uma obra basilar para o entendimento da alma e da história maranhenses, a Nunes Pereira. Seus livro estão esgotados. Sua última obra de fôlego, que vi ainda nos originais, foi "Panorama da Alimentação Indígena - Comidas, Bebidas e Tóxicos na Amazônia Brasileira", editada pela Livraria São José, em 1974. Sua obra é muito usada como referencia, mas talvez por nao ter sido ele da panela acadêmica, jamais fez mestrado ou doutorado, pouco se escreveu sobre ele, cuja existência foi longa. Mais de 90 anos.
Quando me preparo para ir ao Maranhão e ao Pará, não posso deixar de evocar a figura de um verdadeiro sábio, à maneira dos naturalistas do século XIX, que tanto amou os índios. Ele era um cafuzo (negro com índio). Quem sabe daí adveio sua longevidade?
Os que o conheceram em vida, como eu, jamais o esquecerão pela sua fala agradável, pela grande cultura, pelo ar generoso, pela cabeleira de poeta, alva, bem tratada, pela pequena estatura que era compensada por sua imensa sabedoria. Onde chegava prendia naturalmente a atenção.
Lembro-me que o acompanhei numa "Semana Nordestina" no MAM do Rio de Janeiro, onde era exibida uma série de filmes sobre o Nordeste, além de grupos de "Boi-Bumbá" do Maranhão, da Paraíba e do Rio Grande do Norte. Nos intervalos vinham amigos e conhecidos ouvir-lhe a opinião sobre os filmes. Sabia muito sobre o Brasil.
Ainda nao tenho em minha biblioteca um quadro seu em tamanho grande, mas vou providenciar. Lembro-me do que escreveu George Rodenbach sobre os mortos: "Os nossos mortos morrem pela segunda vez quando nós os esquecemos". Não quero cometer esse crime.
Desejo, neste artigo, publicar uma bibliografia parcial de Nunes Pereira para que, meus dois leitores, quando desejarem ler o autor de "Os Índios Maué", saibam o que poderão escolher. Agora em junho, em São Luís, vou visitar a rua São Pantaleão, o Beco das Minas e o Beco do Gavião em homenagem a Nunes Pereira. Já debe estar no chão a "Casa das Minas", que ficava no no. 857, depois de muita subida e descida, indo-se da Praça João Lisboa. Quem sabe encontrarei alguém que possa falar da "Dona Casa" Andressa Maria, preta-velha a quem o Maranhão reverencia. Vou pedir ao presidente da Academia Maranhense de Letras, o escritor Jomar Moraes que me acompanhe pelo bairro de São Pantaleão, quase tão velho quanto São Luís e tão cheio de histórias. Não poderei prestar melhor homenagem a Nunes Pereira, que nascido em São Luís do Maranhão, a 26 de junho de 1893, estaria completando 104 anos.
Nunes Pereira, amigo saudoso, dele guardarei muitas lições e já li a maioria dos livros que me indicou. É preciso reeditar suas obras.

Bibliografia Nunes Pereira

A Pesca no Rio Grande do Nortes.
Ensaio de Etnologia Amazônica
Bahira e suas experiências
Um Naturalista Brasileiro na Amazônia
A Casa das Minas
O Peixe-Boi da Amazônia
O Pirarucu da Amazônia
O Índio - Esse desconhecido
O Shiré e o Marabaixo
Curt Nimuendaju
Introdução a Dramaturgia Indígena
A tartaruga verdadeira da Amazônia
Historia e Vocabulario dos Indios Uioto
Os índios Maué
A ilha de Marajó
Panorama da Alimentação Indigena
Moronguetá - Um Decameron Indígena
Um Peixe Enigmático

Um comentário:

  1. Lilica, encontrei o blog do seu pai hoje. Que saudades, que bacana tudo o que li aqui. Incrível como uma coisa distante nos faz chegar a lugares tão conhecidos. Adorei tudo o que li, manda o seu pai escrever mais para que possamos ler mais histórias bacanas deste nosso Brasil! Saudades de você e da tua família. Mil beijos, Fe.

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